João 2, 13-25 “Mas Ele falava do templo do seu corpo”
O nosso texto relata, na tradição do Quarto Evangelho, um dos eventos mais conhecidos na vida de Jesus – a expulsão dos vendedores do Templo.  No Quarto Evangelho esse evento está situado no início da Vida Pública de Jesus, enquanto no Evangelho mais antigo, Marcos, está situado no início da nossa “Semana Santa”.  Assim os dois autores relatam o acontecido segundo o esquema dos seus escritos, mas ambos trazem uma mensagem bem clara – o que vai finalmente levar Jesus à morte é o seu conflito com as autoridades do Templo. Estes se sentiram ameaçadas no seu poder político, religioso e econômico pela pregação e atuação libertadora de Jesus, que revelava o verdadeiro rosto de Deus o e seu projeto de vida plena,

ofuscados pelo ritualismo de exploração da classe sacerdotal de Jerusalém, aliada ao poder opressor romano.  Para João, esse conflito estoura desde o início da vida pública de Jesus.  Para Marcos o evento é a gota de água que desencadeou o conluio que levaria Jesus à Cruz. Na cena do texto, Jesus vai a Jerusalém para a primeira das três Páscoas mencionadas em João (nos Sinóticos - Mt, Mc, Lc - a vida pública de Jesus só durou um ano e eles só mencionam uma Páscoa). No Templo, que deveria ser o lugar do culto ao Deus verdadeiro da Bíblia, o Deus de libertação, o Deus dos pobres e sofridos, Ele encontra um verdadeiro mercado, onde, no pátio externo, era possível comprar os animais para os sacrifícios e trocar a moeda, uma vez que a moeda corrente do país não era aceita no Templo. Quando atacava esse comércio, Jesus estava indo além da mera condenação de um abuso. Pois os animais e o câmbio eram necessários para o funcionamento do Templo. Como Jesus substituiu a purificação dos ritos judaicos no sinal das bodas de Caná, aqui ele demonstra que o centro do culto judaico perdeu o seu sentido. Pois a presença de Deus, antes achada no Templo, agora deturpado pela elite religiosa e política, doravante residirá em Jesus, o Filho de Deus encarnado. Ele cumpre as profecias de Jeremias e Zacarias que predisseram uma religião sem um templo que fosse nacionalista e explorador econômico do povo (Jr 7, 11-14; Zc 14, 20-21).
João entende que o verdadeiro templo é o corpo de Jesus, que será ressuscitado em três dias – ele usa de propósito o verbo “reerguer” em lugar do “reconstruir” dos Sinóticos (Mt 26, 61). As autoridades judaicas destruíram o sentido do Templo, abusando do povo economicamente, como também vão destruir o corpo de Jesus, matando-o; mas Jesus tem o poder de reerguer o verdadeiro Templo onde habita Deus, na ressurreição, depois de três dias.
Mais uma vez Jesus, através de uma ação profética, desmascara a deturpação da religião por parte das autoridades de Jerusalém. Embora o templo fosse muito bonito e imponente, com liturgias pomposas bem frequentadas, a sua religião era vazia, pois escondia o rosto amoroso e misericordioso de Deus. As Igrejas sempre correm este mesmo risco. Além da descarada exploração financeira dos seus fiéis por parte de algumas seitas e pregadores (cuidemos para não generalizarmos aqui e evitemos que a mesma coisa aconteça na nossa Igreja!), aos poucos muitas comunidades cristãs perderam a sua dimensão profética de denúncia e anúncio, configurando-se ao mundo neoliberal de consumismo e gratificação emocional imediata, tornando o Evangelho uma mercadoria a ser vendida através de um marketing, que jamais pode questionar os valores da sociedade vigente. Como escreveu anos atrás o Frei Beto, a religião assim “brilha sob as luzes da ribalta, trocando o silêncio pela histeria pública, a meditação pela emoção, a liturgia pela dança aeróbica. Na esfera católica, torna o produto mais palatável, destituindo-o de três fatores fundamentais na constituição da Igreja, mas inadequados ao mercado: a inserção dos fiéis em comunidades, a reflexão bíblico-teológica e o compromisso pastoral no serviço à justiça. As homilias se reduzem a breves exortações que não incomodam as consciências” (Estado de São Paulo 03.11.99).
 Assim, o texto de hoje nos traz um alerta – Jesus não veio compactuar com uma religião exploradora, alienadora e aliada ao poder, mas para encarnar as opções do Deus Javé, libertador dos males e de toda exploração; ele veio “para que todos tenham a vida e a vida em abundância” (Jo 10, 10). Uma religião que abandona a sua função profética é tão traidora quanto a religião decadente das elites do Templo. Nos últimos anos, as vozes dos Papas Francisco e Bento XVI, do Arcebispo Desmond Tutu, do Dalai Lama e de outros líderes religiosos soaram profeticamente ao redor do mundo, lembrando-nos que a religião não se confina à sacristia, mas tem que levar à prática dos princípios do Reino, que recusa a legitimar o derramamento de sangue em troca de petróleo ou minérios. A Campanha da Fraternidade 2015 trata da relação entre a Fé, a Igreja e a Sociedade e convoca todos os cristãos para que recuperem essa dimensão profética na luta em favor da vida dos nossos povos. Aproveitemos do “tempo oportuno” que é a Quaresma para reavaliar a nossa prática religiosa, para que não caia na desgraça do Templo – de ser uma prática bonita, atraente e emocionante, mas vazia de sentido.
Pe. Tomaz Hughes, SVD