Mt 14,13-21
 “Dai-lhes vós mesmos de comer”
No Evangelho de Mateus, o texto de hoje vem logo após a história da morte de João Batista, ligada à festa de aniversário do Tetrarca (governaa uma quarta parte de um país) Herodes Antipas. Mateus contrasta o “Banquete da Morte” promovido por Herodes, com “O Banquete da Vida”, protagonizado por Jesus! O milagre normalmente chamado “A Multiplicação dos Pães”, é o único de Jesus relatado nos quatro Evangelhos.  Isso aponta à importância dada nas primeiras comunidades a este relato, tanto que a sua memória persistiu não somente nas comunidades da tradição Sinótica (Mc, Mt, e Lc), mas também na Comunidade do Discípulo Amado.

Mesmo fazendo leitura superficial dos quatro relatos (Mc 6,30-44; Lc 9,10-17; Mt 14,13-21; Jo 6,1-15), alguns elementos importantes soltam aos olhos:1.    A reação dos discípulos diante do problema da fome da multidão.  Nos Sinóticos, a solução sugerida por eles é a de despedir todos para que pudessem comprar pão.  Assim ignora a situação dos que não tinham possibilidade de comprar!  É a solução de muita gente hoje diante do escândalo da pobreza no mundo – que se virem!  Cada um para si!  Quem não tem condições, que se lasque!!  Jesus rejeita claramente essa “solução” – “Dai-lhes vós mesmos de comer!”.  Em João, Marcos e Lucas, a proposta de comprar pão para doá-lo também se revela uma solução inadequada.  Jesus insiste “Dai-lhes vós mesmos de comer”.  Ele não aceita nem a solução de “lavar as mãos” diante da fome alheia ou de cair em um assistencialismo.  Ele desafia a comunidade dos discípulos a achar uma saída baseada em uma nova proposta de vida – a da partilha!
2.    Em nenhum dos quatro relatos se usa o verbo “multiplicar”! O motivo é simples – se a ênfase caísse sobre o “multiplicar” milagroso, teria poucas conseqüências para os discípulos (nós, hoje), pois não temos possibilidade de “multiplicar” as coisas.  Os verbos são bem escolhidos: “benzer, partir, dar, distribuir” – porque todos nós podemos partilhar os bens materiais e espirituais que temos.  O Brasil não precisa “multiplicar” terras, bens ou renda.  Tem mais do que o suficiente.  Mas é urgente partilhar e redistribuir os bens que Deus nos deu para o sustento de todos!
Menos do que João, mas muito mais do que Lucas e Marcos, Mateus liga a sua narrativa à instituição eucarística (Mt 26,26).  Também concentra a atenção nos pães, pois neste relato somente eles são distribuídos.  Assim o texto nos lembra que a participação eucarística exige compromisso com uma visão social baseada na partilha dos bens necessárias para a vida, e não na acumulação da parte de alguns junto com a falta do básico para muitos.  O cristão não pode compactuar-se com uma sociedade organizada conforme os princípios de Herodes, mas deve lutar para a construção duma sociedade em favor da vida, seguindo as pegadas do Jesus de Nazaré. O Papa Francisco não cansa de bater nessa tecla, pois muitos cristãos não conseguem enxergar a relação essencial entre seguir Jesus, celebrar a Eucaristia, e a criação de uma sociedade baseada na solidariedade, partilha e justiça social.
O texto de hoje relê Ex. 16, (o maná), Nm 11 (as codornas) e 2Rs 4,1-7. 42-44 (onde Eliseu distribuiu óleo e pão).  O texto do Ex 16 enfatiza que a avareza de acumular coisas às custas dos outros leva à podridão.
    É claro que diante do enorme sofrimento da maioria da população do mundo, a gente pode sentir-se tão impotente quanto os discípulos no Evangelho de hoje.  Mas o texto nos ensina que não devemos cair na cilada de aceitar as saídas falsas propostas pela sociedade vigente e hegemônica – ou de “lavar as mãos” ou de cair somente num simples assistencialismo.  O cristão, sustentado pela Eucaristia, a Mesa da Palavra e a Mesa do Pão, deve se comprometer com uma visão cristã da sociedade, que exige que nós façamos o que é possível para a construção de um mundo de justiça, e fraternidade.
    Há dois mil anos, Jesus olhou a multidão, teve compaixão dela e agiu.  Com certeza ele olha hoje a situação de tantos irmãos e irmãs e pede que os seus seguidores façam algo para mudar a situação.  Os jornais nos trazem notícias do aumento assustador da fome no mundo por causa da crescente falta de alimentos e do aumento dos preços de alimentos básicos. Paira sobre nós cristãos o desafio do texto de hoje: “Dai-lhes vos mesmo de comer!” O que significa isso na prática para mim, para você, para as nossas Igrejas, na situação concreta da nossa vida?
Tomaz Hughes SVD
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