(Artigo publicado na revista Missões, Jan-Feb-2013 -Ano XXXX – nº 01)
A esmola, a oração e o jejum devem ser os sinais transparentes de um coração sinceramente convertido.

O tema da conversão perpassa toda Escritura. Deus através dos seus mensageiros pede insistentemente às pessoas que voltem atrás deixem os maus caminhos, evitem pecados e pratiquem a justiça. Durante a quaresma, as leituras das celebrações litúrgicas retomam o assunto. Quaresma é um momento apto para ver a feição pecaminosa da vida humana e da vida da nossa comunidade. Durante este tempo, a igreja nos pede que pratiquemos a oração, o jejum e a caridade (Mt 6,1-17).
Embora Jesus fosse um judeu fiel, seguia as normas da sua religião, o seu entendimento dos preceitos religiosos parece ser mais amplo e profundo que dos seus conterrâneos. O seu foco não é a norma em si, mas a pessoa humana, e o bem que tal norma pode trazer para a vida do praticante. Gostaria de refletir o texto bíblico que igreja usa na quarta feira de cinzas (Mt 6,1-6.16-18) para nossa reflexão sobre a espiritualidade.

Contexto: O texto acima citado encontra-se na sessão do discurso das bem aventuranças do evangelista Mateus. Se Jesus é o anunciador, temos dois grupos que recebem o anuncio: de um lado, os discípulos, e do outro, o povo que está seguindo Jesus. Jesus se encontra na Galiléia dos gentios (Is 8,23; Mt 4,23), nos arredores da cidade de Cafarnaum. O texto que traz as colocações de Jesus sobre a oração, jejum e esmola, não é uma crítica a prática piedosa do seu tempo, mas uma recriminação aos que fanfarreiam com tais práticas. A liturgia quaresmal usa o texto pra auxiliar os fieis no processo da conversão.

A Esmola: na tradição bíblica, o cuidado do pobre ligadoà prática da justiça, deve-se ao fato de que o justo tem obrigação de cuidar do pobre. Os impérios estrangeiros (persa, grego e romano) sucessivamente sugaram as riquezas desta terra com altos impostos. Tal realidade contribuiu para o surgimento das numerosas classes extremamente pobres nesta época. Portanto, davam esmolas aos pobres para amenizar a sua situação. Segundo Sêneca, uma grande maioria do povo era pobre.
Pobres são, sobretudo, os imigrantes, viúvas e crianças fazem parte do grupo dos carentes. Havia um dízimo especial para ajudar tais carentes (Dt 14,28-29). O agricultor devia deixar um espaço a beira do campo que cultivava para os pobres, e não podia voltar atrás para colher o que sobrou. O mesmo era aplicado para os vinhateiros e cultivadores de oliveiras (Dt 24,19-22). Os profetas elogiavam a compaixão com os pobres e Isaías adverte, só com a prática da esmola pessoas conseguirão escutar a voz de Deus. A crítica de Jesus aponta um fato real, que a maioria dos ricos dava uma pequena esmola, mais ainda, fazia isso para auto promoção e para se projetar como generosa. Ao longo dos evangelhos encontramos muitos relatos, onde Jesus chama os saduceus e fariseus de hipócritas, e admoesta sua conduta.

A oração: A oração tem uma longa tradição entre os judeus. Na sagrada escritura encontramos a oração das grandes personalidades como Abraão (Gn 24,12-14), Jacó (Gn 32,10-13), Moisés (Ex 32,11-14), Gedeão (Jz 6,36-40), Ana (1Sm 1,10s), e Jonas (Jn 2,3-10). Havia oração pessoal, oração comunitária, oração no templo e oração nas sinagogas (os quais eram chamados de ‘casa de oração’). Os salmos eram o manual perfeito da oração judaica. Além disso, os Judeus andavam com faixas de oração amarrado aos braços (tefilla), rezavam umas fórmulas de oração abertamente nas praças nos lugares público. Entre elas o shema Israel (Escuta Israel), era recitado de manhã e a tarde (Dt 6,4-9; 11,13-21).

Os evangelhos falam inúmeras vezes de Jesus em oração. Ele gastava tempo a sós com seu Pai, rezando desde o anoitecer até de madrugada. Nas horas difíceis e decisivas, ele orava. A sua vida de oração tem uma influência grande sobre os discípulos, que eles lhe pedem que os ensine a rezar. Mas fazer da oração um show (exibição), recebe duras críticas por parte dele.

O Jejum: A ideia de jejum decorre da raiz hebraica som, que significa abster-se de comer, provavelmente também de beber. O jejum tem sua origem nas religiões Cananéias e faz parte dos cultos fúnebres realizados após a morte de um ente querido. O Antigo Testamento nos apresenta vários motivos para se praticar o jejum, como luto (1Sm 31,13), o culto aos mortos, nas situações de grandes perigos ou de crises nacionais, por exemplo, uma guerra ou ameaça militar (Jz 20,26; Jr 36,9). Depois do exílio o jejum tornou-se parte integral da piedade religiosa judaica, ligada estreitamente a expiação dos pecados..
Teologicamente, o jejum representa um aspecto de penitência, humildade e arrependimento do ser humano diante de Deus (Is 58,3; Jl 2,12). Através dele, o ser humano toma consciência de seu pecado e pede o perdão de Deus. O ato de jejuar, junto como a oração penitencial, mostra a dependência permanente do perdão e a necessidade da graça divina. Jesus aponta ao aspecto sombrio\triste que os praticantes de jejum exibíamos, e aconselha que os seus discípulos pratiquem o jejum no jeito que agrade Deus e não as pessoas.

Apelo à conversão
Na nossa vida tudo deve ajudar a fazer uma verdadeira conversão. O processo inicia-se com a catequese, e outras etapas do crescimento da fé. O significado inicial da palavra conversão é de contornar. Ou seja, somos chamados a fazer um contorno, virar de novo e voltar em direção a Deus. A parábola do filho pródigo pode explicar melhor tal atitude. A conversão é a mudança de uma atitude, a qual o leva a Deus. Paul explica bem a conversão e sua finalidade, “... para que você abra os olhos deles e assim se convertam das trevas para a luz, da autoridade de satanás para Deus. Desse modo, pela fé, em mim, eles receberão o perdão dos pecados e a herança entre os santificados” (At 26,18).
Portanto, a conversão envolve uma mudança - de deixar os deuses falsos, e das más ações, e vir para Deus e fazer boas ações. Ela marca um novo relacionamento com Deus, perdão dos pecados, e a vida nova na comunidade fraterna pertencente ao povo de Deus. O arrependimento e a fé estão ligados a conversão. Sendo assim, a conversão é mais do que uma mera troca dos valores anteriores para os posteriores. Torna-se uma mudança completa do coração, um renascimento (Jn 3,3-8). A mudança parece tão radical, pode ser comparada figurativamente a um novo nascimento, como próprio Jesus usa o termo ao falar ao Nicodemos. A esmola, a oração e o jejum, portanto, devem ser os sinais transparentes de um coração sinceramente convertido.
Ronaldo Lobo, svd