Mt 6, 24-34
“Ninguém pode servir a dois senhores”
    O texto nos mergulha de novo no espírito do Sermão da Montanha (Mt 5, 1 - 7, 27). Coloca os ouvintes diante da sua escolha fundamental na vida - a quem ou a que querem servir? - a Deus, vivendo os valores delineados no Sermão da Montanha, ou o Dinheiro, (que a Bíblia TEB escreve com “D” maiúsculo), ou seja, o Dinheiro como potência que escraviza o mundo a si?

Embora essa escolha seja exigência de todos os tempos e lugares, torna-se mais urgente ainda em nossa sociedade de consumo, de exclusão e de acumulação, que exclui a maioria absoluta da humanidade, condenando-a a uma vida de miséria e sofrimento. Jesus deixa bem claro que os seus discípulos/as não podem assumir esses valores consumistas e materialistas, se querem ser fiéis a Ele e ao seu projeto do Reino de Deus.  Esse princípio fundamental do seguimento de Jesus é enfatizado sem rodeios pelo Papa Francisco no seu documento de novembro 2013 Evangelii Gaudium ( A Alegria do Evangelho)  quando na secção que trata dos desafios do mundo atual ele insiste “Não a uma economia da exclusão e da desigualdade” (no. 53), “não à nova idolatria do dinheiro” (no. 55), ‘não a um dinheiro que governa ao invés de servir” (no. 57), “não à desigualdade social que gera violência” (no. 59)
    Como consequência desse princípio, Jesus continua: “por isso é que lhes digo: não fiquem preocupados com a vida, com o que comer; nem com o corpo, com o que vestir”. Com certeza uma declaração que soa como estranha a quase todos nós, obrigados a lutar com insegurança para que as nossas famílias tenham o que comer e vestir. Como não se preocupar com essas coisas em um mundo de insegurança, de desemprego, de exclusão? Realmente seria no mínimo uma falta de sensibilidade proclamar aos famintos ou esfarrapados que não era para se preocuparem com a comida e a roupa. É só olhar a situação terrível de tantas famílias em tantas regiões do Brasil e do mundo hoje.. Então o que quer dizer esse trecho?
    Essas palavras não são convite a descuidar dessas necessidades básicas, que seria um atentado contra a vida, e, portanto, contra a proposta de Jesus. A frase deve ser entendida no contexto da situação da comunidade mateana pelo ano 85 dC, que parece ter sido uma comunidade que tinha bastante gente próspera (p. ex., Mateus diz que são os “pobres em espírito” que são bem-aventurados, enquanto Lucas diz simplesmente “vocês, os pobres”!). O sentido do texto gira ao redor do sentido do verbo grego “meirmnao” que as nossas Bíblias traduzem como “preocupeis” (Pastoral, TEB, Jerusalém, Ave Maria). Isso, obviamente, não quer dizer não cuidar, zelar, ocupar-nos, mas não deixar que essas coisas nos absorvam de tal maneira que se tornem o absoluto da nossa vida. Assim, em lugar de usar essas frases para acalmar os que sofrem falta dessas necessidades da vida, esse texto implica uma denúncia de uma sociedade excludente como a nossa, que obriga a maioria das pessoas a dedicar-se totalmente à sobrevivência, esgotando as suas forças físicas, espirituais e psicológicas na luta diária para simplesmente sobreviver nesse mundo cruel.
Seria beirando a blasfêmia usar essas frases para apaziguar os sofridos, falando chavões sobre a providência de Deus, enquanto apoiamos e nos mergulhamos nos valores materialistas da sociedade neoliberal, sem notar que essa mesma sociedade é a negação de tudo que o Sermão da Montanha ensina sobre simplicidade, solidariedade, justiça e o seguimento de Jesus. A chave da interpretação do ensinamento de hoje está em v. 33: “Procurai primeiro o Reino e a justiça de Deus, e tudo isso vos será dado por acréscimo” (trad. TEB). Pois, se criarmos um mundo ou uma comunidade que vive os valores do Reino e a justiça de Deus (não o que a sociedade considera “justiça” a partir de uma ideologia positivista que favorece os interesses da minoria dominante), então teremos solidariedade, que garantirá que todos tenham pelo menos o mínimo para ter uma vida digna dos filhos e filhas de Deus.
    Então, longe de ser “pano quente”, para que possamos ignorar com tranquilidade o sofrimento e carência de tantos, o texto nos desafia para que descubramos sinceramente quais são os nossos valores, os do Evangelho ou os do consumismo.  É impossível ser discípulos de Jesus sem nos interessar por uma sociedade humana que seja favorável a vida de todos. O Papa Francisco insiste em Evangelii Gaudium: “Ninguém pode sentir-se exonerado da preocupação pelos  pobres e pela justiça social: “A conversão espiritual, a  intensidade do amor a Deus e a próximo, o zelo pela justiça e pela paz, o sentido evangélico dos pobres e da pobreza são exigidos de todos”(EG 201).  É uma questão vital para todos e todas que querem ser seguidores/as de Jesus, pois “onde está o seu tesouro, aí estará também o seu coração” (Mt 6, 21).
Tomaz Hughes SVD
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