Mt 2,13-15.19-23.
“Do Egito Chamei o Meu Filho”
No primeiro Domingo depois do Natal celebra-se a Festa da Sagrada Família. Os textos dos evangelhos usados nos três ciclos litúrgicos sempre fazem referência a Maria, José e  Jesus, mas devemos lembrar que o Evangelho visa em primeiro lugar ensinar algo sobre Jesus, a sua missão e as conseqüências para os seus discípulos – nós, hoje.

O relato de Mateus é conhecido como a história da “fuga ao Egito”.  Como com todos os relatos da infância, tanto em Mateus como em Lucas (Marcos e João não os têm), devemos situá-lo no contexto da comunidade para qual foi escrito.  Para compreender bem Mateus, é necessário lembrar que ele estava escrevendo pelo ano 85 para uma comunidade basicamente judeu-cristã, sofrendo perseguição nas mãos do judaísmo rabínico formativo, que estava expulsando os cristãos da sinagoga. Por isso, Mateus sempre faz releitura do Antigo Testamento, aplicando as suas imagens à vida e à missão de Jesus.  Assim, o sonho de José relembra os sonhos de Abimelec (Gn20,3-7) de Laban (Gn 31,24) e especialmente de Jacó na noite da sua partida para o Egito (Gn 46, 2-4).  A fuga da Sagrada Família recorda outras fugas de pessoas escolhidas por Deus, como Jacó (Gn 27, 43-45), Ló (Gn 19,15), Moisés (Ex 2,15) e especialmente Jeroboão (I Rs 11,40).  
Como os perseguidores da comunidade mateana apelavam à autoridade de Moisés, Mateus sempre procura mostrar que Jesus é o “Novo Moisés” e maior do que este.  Por isso, enquanto em Lucas os pais levam Jesus tranqüilamente para o Templo, em Mateus eles tem que fugir para o Egito para escapar a ameaça do Rei maléfico, Herodes.  Assim, Jesus refaz a experiência de Moisés, que foi ameaçado de morte logo após o nascimento, pelo Faraó, e como jovem teve que fugir para escapar da sua ira.  Voltando do Egito, Jesus refaz o percurso do Êxodo do seu povo - Mateus assim mostra que é em Jesus que acontece a verdadeira e definitiva caminhada da opressão para a libertação, a libertação completa que nos vem através da salvação realizada em Jesus.
Este fato, de que Jesus realiza o Êxodo definitivo, é sublinhado pelo uso do texto de Oséias, 11,1.  Na profecia original, o “Filho” era o próprio povo de Israel.  Aqui Mateus a aplica a Jesus como indivíduo, pois ele representa o início da restauração de todo Israel.  A fuga e a volta constituem o Novo Êxodo, com um novo e maior Moisés – Jesus.
No que se refere à família moderna, podemos ver como a família de Nazaré pôs-se no seguimento da vontade de Deus.  Sendo pessoas “justas”, José e Maria não hesitam, mas colocam as suas vidas a serviço da vontade divina, de realizar a salvação de Jesus.  Era uma família tipicamente judaica – com a sua fé alimentada pela espiritualidade dos “anawim”,  dos “pobres e Javé”, tão bem expressada pelos profetas Segundo-Isaías, Sofonias e Segundo-Zacarias, entre outros.  Foi no seio desta família, com esta espiritualidade, que Jesus descobriu a sua identidade, a sua fé e a sua missão.  Que a celebração desta festa anime a todas as famílias cristãs, em um mundo onde a vida familiar é desprezada e até atacada, a fortalecer a sua vivência da fé, criando laços de amor e doação, baseando-se nos valores evangélicos de solidariedade, justiça e partilha. Em um mundo da idolatria do consumo, do “Ter”, do “Poder” e do “Prazer”, a nossa vivência familiar é instrumento valioso na realização do projeto de Deus para toda a humanidade.
Pe. Thomas Hughes, SVD