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“Eis a Serva do Senhor” ( Lc 1, 26-38)

Como o segundo domingo do advento deste ano cai no dia 08 de dezembro, a liturgia celebrada é da Festa da Imaculada Conceição de Maria. Como às vezes acontece uma confusão entre o sentido da Imaculada Conceição e da Concepção Virginal, é bom lembrar que hoje celebramos que Maria foi preservada livre do pecado original pela graça de Deus.

O Evangelho da Missa de hoje relata o que costumamos chamar “a anunciação”. Mas tanto no Antigo como no Novo Testamento há diversas “anunciações” – por exemplo, à mãe de Sansão, e ao pai de João Batista, Zacarias. Na realidade existia uma forma literária de “anunciação" que seguia certos passos bem delineados. Assim talvez seja de maior benefício se nós lermos em paralelo as duas anunciações que o primeiro capítulo de Lucas relata – a Zacarias e a Maria (1, 26-38).

            Um escrutínio dos dois textos nos revelam pelo menos 14 passos semelhantes – um aviso que os relatos não são “relatórios” ou “reportagens” sobre o acontecido, mas uma maneira de nos transmitir a “boa notícia” dos eventos. Assim, podemos colocar os dois relatos em paralelo:                              

          A Zacarias                                                                    A Maria

  1. A Quem:          Homem/Zacarias                                  Mulher/Maria
  2. Descrição:       Justo                                                   Cheia de graça
  3. Idade:              Idoso                                                   Jovem (ainda virgem)
  4. Status:             Sacerdote                                           “Leiga”
  5. “Estado Civil”:  Casado sem filhos                                 Virgem
  6. Local:              Templo em Jerusalém                           Nazaré
  7. Anunciador:      Anjo Gabriel                                        Anjo Gabriel
  8. Reação:           Perturbado e com medo                        Preocupada
  9. Dica do anjo:   Não ter medo                                        Não ter medo
  10. Anúncio:          Nascimento de um filho                         Nascimento de um filho
  11. Descrição:       Grande diante do Senhor                       Grande, Filho do Altíssimo
  12. Objeção:          Idade avançada                                     Virgindade
  13. Reação:           Duvidou                                               Acreditou
  14. Consequência:  Mudez                                                Cantou o Magnificat

É importante notar as semelhanças entre os dois relatos, mas também as diferenças. Podemos ressaltar que enquanto Zacarias é descrito como “justo” ( alguém que segue a Lei do Senhor), Maria é “cheia de graça”, o que não é um atributo dela, mas uma ação de Deus nela! O Filho do Zacarias será muito importante (Grande, diante de Deus), mas o de Maria será : “Filho do Altíssimo”. Ambos têm objeções diante do anunciado – a idade do Zacarias e a virgindade de Maria, mas no fim Zacarias não consegue acreditar plenamente e fica mudo, enquanto Maria acredita na fé, e canta depois os louvores de Deus, no Magnificat (Lc 1, 46-55). Assim Lucas nos apresenta Maria como bendita, não em primeiro lugar pela maternidade mas pela fé: “Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segunda a tua palavra”.

      Aqui cumpre destacar dois pontos: “Serva” no contexto bíblico não tem nada de negativo, como talvez tenha na nossa cultura, devido à história de escravidão sofrida pelo Brasil. Pelo contrário, implicava toda a espiritualidade e missão do Servo de Javé, expressadas especialmente, mas não unicamente, nos Quatro Cantos do Servo de Javé, de Segundo Isaias (Is 42, 1-09, 49, 1-9ª, 50, 4-11 e 52,13-53,12). Segundo, a frase “faça se em mim” não expressa de forma alguma uma atitude passiva. O verbo no grego está no tempo chamado “aorista optativo”, ou seja, não expressa uma aceitação passiva de um fato quase inevitável, mas um pedido “quero que seja feito assim”. Maria deseja ser discípula-missionária do Senhor, assumindo a espiritualidade e missão do Serva/a de Javé, protagonista da proposta de Deus para o seu povo.

      É urgente que redescubramos a figura bíblica de Maria, muitas vezes ofuscada por uma mariologia sentimental e devocional, sem firmes bases teológicas nem bíblicas. Por isso, o Papa Bento XVI em Verbum Domini faz um apelo explícito:

“Os Padres sinodais declararam que o objetivo fundamental da XII Assembleia foi «renovar a fé da Igreja na Palavra de Deus»; por isso é necessário olhar para uma pessoa em Quem a reciprocidade entre Palavra de Deus e fé foi perfeita, ou seja, para a Virgem Maria, «que, com o seu sim à Palavra da Aliança e à sua missão, realiza perfeitamente a vocação divina da humanidade».[79] A realidade humana, criada por meio do Verbo, encontra a sua figura perfeita precisamente na fé obediente de Maria. Desde a Anunciação ao Pentecostes, vemo-La como mulher totalmente disponível à vontade de Deus. É a Imaculada Conceição, Aquela que é «cheia de graça» de Deus (cf. L?c 1, 28), incondicionalmente dócil à Palavra divina (cf. L?c 1, 38). A sua fé obediente face à iniciativa de Deus plasma cada instante da sua vida. Virgem à escuta, vive em plena sintonia com a Palavra divina; conserva no seu coração os acontecimentos do seu Filho, compondo-os por assim dizer num único mosaico (cf. L?c 2, 19.51).[80]

No nosso tempo, é preciso que os fiéis sejam ajudados a descobrir melhor a ligação entre Maria de Nazaré e a escuta crente da Palavra divina. Exorto também os estudiosos a aprofundarem ainda mais a relação entre mariologia e teologia da Palavra. Daí poderá vir grande benefício tanto para a vida espiritual como para os estudos teológicos e bíblicos. De fato, quando a inteligência da fé olha um tema à luz de Maria, coloca-se no centro mais íntimo da verdade cristã. Na realidade, a encarnação do Verbo não pode ser pensada prescindindo da liberdade desta jovem mulher que, com o seu assentimento, coopera de modo decisivo para a entrada do Eterno no tempo. Ela é a figura da Igreja à escuta da Palavra de Deus que nela Se fez carne. Maria é também símbolo da abertura a Deus e aos outros; escuta ativa, que interioriza, assimila, na qual a Palavra se torna forma de vida.”

 Neste advento, tempo de preparação para a vinda do Senhor no Natal, devemos aprofundar esses textos bíblico sobre a mãe do senhor, modelo da fé, discípula-missonária, aquela que não somente escutava a Palavra mas a colocava em prática.

Pe. Tomaz Hughes, SVD