Lc 23, 35-43
“Jesus, lembra-te de mim, quando vieres como rei”
Como é de costume na Igreja Católica, hoje,  último domingo do Ano Litúrgico, celebra-se a festa litúrgica de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo. A festa foi estabelecida na época dos governos totalitários nazistas, fascistas e comunistas, nos anos antes da Segunda Guerra, para enfatizar que o único poder absoluto é de Deus.

Nos dias de hoje, em que milhões padecem as consequências de um novo tipo de totalitarismo disfarçado, o do poder econômico inescrupuloso, torna-se atual a inspiração original da festa - que Deus é o único Absoluto. No mundo que não é ateu, mas idolátrico, pois presta culto ao lucro, a festa de hoje nos desafia para que revejamos as nossas atitudes e ações concretas - para descobrir o que é para nós, na verdade, o valor absoluto da nossa vida. Em uma sociedade onde frequentemente o nome de Deus é invocado para justificar regimes repressivos fundamentalistas, ou sistemas imperialistas que abusam do nome “cristão” para se justificar, a festa nos lembra o verdadeiro sentido do Reino de Deus.
Foi exatamente por ter semeado este Reino, na contramão da sociedade de então, que Jesus devia morrer - ou melhor, ser matado, o que é diferente. Todos os evangelhos mostram, cada um da sua maneira, que quem matou Jesus não foi o povo, mas um conluio dos chefes religiosos, políticos e econômicos . É importante entender o que isso significa, pois se Jesus foi assassinado, houve algum motivo, e houve quem o matasse. Os sumos sacerdotes eram, no tempo de Jesus, todos nomeados pelos romanos, dentro do partido dos saduceus, o partido da elite jerosalemita, donos de terras e do comércio, e chefes do Templo. E o Templo funcionava como Banco Central, centro de arrecadação de impostos, e lugar de câmbio monetário, uma vez que não se aceitava nele a moeda corrente. Jesus, portanto, foi assassinado pelo poder político, econômico e religioso, coniventes com o poder imperialista, representado por Pilatos. Pois, o Reino de Deus se opõe frontalmente com qualquer reino opressor, como era o de Roma.
O texto de hoje usa a ironia para demonstrar a verdadeira identidade de Jesus. Lucas faz isso através do uso de títulos por Ele - títulos usados como gozação, mas que de fato que descreviam a sua pessoa e missão - “o Messias de Deus”, “o Escolhido” o “Rei dos judeus”. Enquanto o povo fica quieto contemplando a cena (v. 35), os detentores do poder, chefes e soldados, zombam de Jesus. Mas, não sabem que a sua zombaria expressa a verdade sobre Ele, que eles, opressores, são incapazes de entender. Ao contrário, quem entendeu era o condenado que costumamos chamar “o bom ladrão”. Ele expressa a esperança básica de todos os sofridos, rejeitados e excluídos desse mundo quando pede com fé: “Jesus, lembra-te de mim, quando vieres como rei” (v. 42). É o grito que expressa a esperança última dos sofredores, a vitória do bem sobre o mal, e a instauração do reino de Deus, de justiça, fraternidade e paz.
A realidade vivida por Jesus continua hoje. O seguimento d’Ele, na construção de um Reino de justiça e paz, do shalom de Deus, necessariamente vai entrar em conflito com os reinos que dependem da exploração e da injustiça. Normalmente, esses poderes primeiro vão tentar cooptar a Igreja, para que, em lugar de ser voz profética diante das injustiças, se torne porta-voz dos valores desses reinos. Não faltarão incentivos, financeiros e outros, para que as Igrejas caiam nesta cilada. Por isso, como nos advertiram os textos nos últimos domingos, é necessário ficarmos sempre vigilantes, para que possamos verificar se a nossa vida prática está mais de acordo com o Reino de Deus ou o reino de Pilatos.
Jesus traz a grande crise da história. Diante da verdade, que é Ele, todos têm que se posicionar. Ele, como todo profeta, não causa a divisão, mas desmascara a divisão que existe dentro da sociedade, a divisão entre o bem e o mal, entre um projeto da morte e um projeto da vida, uma divisão que permeia todos os elementos da sociedade. Diante d’Ele, não há lugar para meio-termo - todos têm que optar. Por isso, a nossa festa de hoje, longe de ser algo triunfalista, nos desafia para que façamos um exame de consciência - tanto individual como eclesial e comunitário - para verificar se o nosso Rei é realmente Jesus, ou se, mesmo de uma maneira disfarçada, continua sendo César!
Tomaz Hughes SVD
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