Lucas 18, 9-14

“Meu Deus, tem piedade de mim, que sou pecador”

O tema da oração continua no trecho de hoje - Jesus mostra que não basta somente rezar, pois muito depende das nossas atitudes enquanto rezamos. Por isso, ele nos conta mais uma parábola que só Lucas relata - a do “Fariseu e do Publicano”.

       Para entender bem esta passagem, é imprescindível que nós entendamos o significado dos termos “Fariseu” e “Publicano”. Os fariseus formavam um partido religioso-político, nascido dos “fiéis observadores da Lei”, ou “Hasidim” dos tempos da revolução dos Macabeus. Eles romperam com as ambições políticas dos Hasmoneus (dinastia dos Macabeus) e formaram o seu grupo dos “separados”, que parece ser o sentido da palavra “Fariseu”. Eles primaram pela observância rigorosa da Lei, embora entre eles existissem diversas escolas de interpretação.

Em nossa linguagem, a palavra “fariseu” normalmente significa “hipócrita” - uma injustiça aos fariseus, que eram, na maioria absoluta, gente sincera de uma ascese rigorosa em busca da fidelidade à Lei de Deus. Provavelmente estamos muito influenciados pelo Capítulo 23 de Mateus, uma das páginas mais virulentas do Novo Testamento, que reflete mais a situação de perseguição dos cristãos pelos fariseus pelo ano 85, do que a situação no tempo de Jesus. A grande crítica de Jesus contra este grupo não era por motivos de moral, mas porque, confiando na observação externa da Lei como garantia de salvação, tiraram a gratuidade de Deus, que nos salva “de graça”.

Enquanto os fariseus gozavam de enorme prestígio diante do povo no tempo de Jesus, do outro lado um dos grupos mais odiados e desprezados era o dos “cobradores de impostos”, ou “publicanos” (assim chamados porque cobravam um imposto denominado “publicum”, um tipo de ICMS). Esse ódio não nasceu simplesmente da resistência natural do povo contra a cobrança de impostos e taxas, mas do fato que eles trabalhavam pelo poder opressor - os Romanos, através dos seus lacaios, os Herodianos. Os publicanos estavam entre os mais “impuros”, considerados exploradores do seu próprio povo em favor dos opressores. Por isso, eles eram contados entre os mais odiados e desprezados da sociedade judaica.

            Como aconteceu no início do capítulo 15, aqui também Lucas destaca o motivo da parábola: “Para alguns que confiavam na sua própria justiça e desprezavam os outros, Jesus contou esta parábola” (v. 9).

            É interessante verificar os dois tipos de oração! O Fariseu elenca todas as suas observâncias, tudo que ele faz, conforme manda o a Lei! Ele não mente - ele faz isso mesmo. Só que ele confia absolutamente no poder da sua prática para garantir a salvação. Assim dispensa a graça de Deus, pois se a Lei é capaz de salvar, não precisamos da graça! Ainda se dá o luxo de desprezar os que não viviam como ele - ou porque não queriam, ou porque não conseguiam: “Ó Deus, eu te agradeço, porque não sou como os outros homens, que são ladrões, desonestos, adúlteros, nem como esse cobrador de impostos.” (v. 11)

            O publicano também não mente quando reza! Longe do altar, nem se atrevia a levantar os olhos para o céu, mas batia no peito em sinal de arrependimento de dizia: “Meu Deus, tem piedade de mim que sou pecador” (v. 13). É importante notar exatamente o que reza – ele não diz “eu pequei”, mas algo muito mais profundo – “eu sou pecador”. “Pecar” é um ato, “ser pecador”é um estado de ser! E era a verdade - ele era vigarista, ladrão opressor do seu povo, traidor da sua raça - mas ele tem consciência disso, e não só disso, mas do fato de que por si mesmo ele é incapaz de mudar a sua situação moral. A sua única esperança é jogar-se diante da misericórdia de Deus. Para o espanto dos seus ouvintes, Jesus afirma que o desprezado publicano voltou para a casa “justificado” (= tornado justo) por Deus, e não o outro; pois, é Deus que nos torna justos por pura gratuidade, e não em recompensa por termos observado as minúcias de uma Lei.

            Como entrou o farisaísmo de cheio nas nossas tradições de espiritualidade! Como as nossas pregações reduziam a fé e o seguimento de Jesus a uma observância externa de uma lista de Leis! Como reduzimos Deus a um mero “banqueiro” que no fim da vida faz as contas e nos dá o que nós “merecemos”, de acordo com uma teologia de retribuição! Quem tem conta em haver com Ele, ganhará o céu, e quem estiver em dívida, irá para o inferno! Onde fica a graça de Deus, e a cruz de Cristo? Paulo mudou de vida quando descobriu que a Lei, por tão importante que fosse como “pedagogo”, não era capaz de salvar, mas que é Deus que nos salva, sem mérito algum nosso, através de Jesus Cristo! Com esta descoberta, se libertou! Defendia este seu “evangelho”, conforme Gálatas 1, a ferro e fogo!

O texto de hoje nos convida para que examinemos até que ponto deixamos o farisaísmo entrar em nossa vida; até que ponto confiamos em nós mesmos como agentes da nossa salvação; até que ponto nos damos o direito de julgar os outros, conforme os nossos critérios. Uma advertência saudável e oportuna que alerta contra uma mentalidade “elitista” e “excludente”, que pode insinuar-se na nossa espiritualidade, como fez na dos fariseus, sem que tomemos consciência disso!

Tomaz Hughes SVD

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